Passada a recruta, porém, os períodos
em que o serviço militar era pura burocracia preponderavam. Também para estes o
soldado Brian estava bem preparado, física e psicologicamente.
Em primeiro lugar compreendia
muito bem o princípio da coisa. Sabia francês o suficiente para perceber o que
era um bureau — «bur» + «eau», burro de água. Para se sentar ao «bureau» eram
necessárias a candura do burro e a fluidez da água. Brian sabia fazer-se
desentendido como se exigia, não era nenhum desses soldados broncos que só estão
bem à estalada e podem, assim, deitar a perder uma peleja. As vitórias eram
feitas de intervenção, é certo, mas também de espera, de vigília.
E nesses longos momentos de
tréguas havia muito que fazer. Ainda agora as cúpulas tinham solicitado às
bases que procedessem a um inventário de todos os materiais de que se compunha
o quartel e etiquetassem tudo com o respetivo código de barras. Brian, com a
sua natural reserva, não se oferecera logo, mas pusera-se a jeito para que
notassem, assim como quem não quer a coisa, a sua disponibilidade. E notaram.
Então o soldado passou muitas tardes a catalogar cadeiras, mesas, as cortinas
do gabinete do major-general, que eram de cassa branca e davam um ar fresco ao
compartimento, os lápis afiados da sua mesa de trabalho, o agrafador, os
clipes, os pisa-papéis, as bolachas, os sugus dos filhos do brigadeiro-general.
Brian podia agora abarcar toda a panóplia de objetos existentes na caserna e
como que assenhorear-se deles pela simples rotulagem. E pelo furtivo prazer de
os desviar do seu poiso original.
Quando acabou a tarefa não se
deixou dominar pelo ócio da cerveja à mesa da messe. Outras missões o
aguardavam.
— Meus soldados, o RIPS do CEM-MIL,
em conjunto com o ISAM do EMGFA, incumbiu o nosso regimento de recolher e
processar o conteúdo dos relatórios produzidos no âmbito das operações de
rotina interna nos quartéis do centro-sul.
Logo o soldado Brian se afanava a
recolher e processar os acrónimos — RIPS àRepartição de Investigação
e Pesquisa Secreta; CEM-MIL àCentro de Estudos Militares e Milicianos; ISAM àInstituto
Superior da Armada Militante — e a visualizar o produto final, na forma de um
relatório bem circunstanciado que desse conta, exaustivamente, com gráficos e
tabelas, do conteúdo dos relatórios produzidos no âmbito das operações de
rotina interna dos quartéis do centro-sul, entre os quais avultava o seu.
Parecia-lhe tempo bem empregue, mas hesitava se havia de furtar a outro colega
tamanha honra, o soldado Esteves, por exemplo, que por diversas vezes se
mostrara tão bom camarada; ou mesmo o soldado Melo, mais arredio, mas, ainda
assim, amigo de seu amigo, como sói dizer-se. A indecisão não durou muito. Em
breve todos os olhares estavam fixados na sua pessoa e também com brevidade se pôde
embrenhar na empolgante leitura daqueles relatos, que eram uma súmula do dia a
dia dos seus congéneres, um espelho poliédrico da sua missão na terra.
Naturalmente que foi louvado pelo seu trabalho, laboriosamente batido em Word e
policopiado para distribuir e divulgar em todos os regimentos de norte a sul,
servindo de leitura ao serão em não poucas escolas práticas e unidades
militares.
Era por estas e por outras que o
soldado Brian podia dizer que estava bem lançada a sua carreira militar.